Aproveitando-se de brechas de segurança do aplicativo governamental ConecteSUS e da descrença de grupos antivacina na ciência, um mercado ilegal para venda da certidão vacinal circula livremente no Telegram. Os documentos falsificados são anunciados por até R$ 500 no aplicativo de mensagens.
Durante três semanas, a reportagem do Metrópoles conversou com vendedores que anunciam “aplicações” de vacinas contra a Covid-19 e sustentam registros feitos na plataforma do ConecteSUS. Com valores diferentes para número de doses, e contemplando também pais que não querem vacinar seus filhos, esses usuários vendem a promessa de uma “imunização” fictícia para aqueles que desejam emitir a certidão de imunização pelo aplicativo.
Um dos vendedores explicou que o esquema é feito por meio da Unidade Básica de Saúde (UBS) em que trabalha. Ao pedir o Cadastro Nacional de Informações Sociais (Cnis) do interessado, o suspeito afirma que pode registrar a dose no sistema ao mesmo tempo em que descartará uma vacina contra a Covid-19.
Oficialmente, o Ministério da Saúde informou não ter sido notificado sobre casos de comercialização do certificado vacinal. O Metrópoles apurou com uma fonte da pasta, no entanto, que o modus operandi é totalmente possível.
O Brasil possui mais de 38 mil salas de vacinação, além de hospitais e Unidades de Pronto Atendimentos (UPAs) com acesso ao sistema que registra os imunizantes. O governo federal precisa dar acesso à plataforma a servidores dessas unidades, lá na ponta, para que as doses sejam cadastradas.
“Se uma pessoa está agindo para vender esse certificado no posto de saúde e tem uma credencial, ela pode lançar a vacinação e não vacinar a pessoa. Isso é possível de ser feito tranquilamente”, confirmou a fonte do Ministério da Saúde.
O mesmo modus operandi foi usado, por exemplo, na alteração de dados de políticos e famosos, como Manuela D’Ávila, Átila Iamarino, Felipe Neto, Felipe Castanhari e Nyvi Estephan, no sistema do SUS.
Valores
O anúncio da venda de certificado falso de vacinas é feito livremente em grupos de pessoas que são contra os imunizantes. Em meio a publicações de notícias falsas sobre as vacinas disponíveis contra a Covid-19, pipocam comunicados que vendem o “passaporte vacinal”.
Alguns são mais discretos e pedem para que os interessados entrem em contato por mensagem privada. Outros chegam a comparar a obrigatoriedade da vacina à perseguição aos judeus feita pelo regime nazista de Adolf Hitler.
Os preços variam no mercado paralelo. Quanto mais doses a serem cadastradas no sistema, menor é o valor de cada dose. A variação também existe para doses “aplicadas” em crianças e adolescentes, público mais recente a ser integrado na campanha vacinal — para eles, as doses são mais caras.
Em um anúncio, o preço para uma dose em adultos é de R$ 300, duas doses são R$ 400, e o valor com a dose de reforço é de R$ 500. Em crianças, a quantia a ser desembolsada é de R$ 400 e R$ 500, para uma e duas doses. A escolha por qual será o imunizante cadastrado é livre. No anúncio, o vendedor promete: “Você escolhe a quantidade de doses, escolhe o veneno entre Pfizer e Coronavac. E assim que eu lançar no sistema do SUS, falo para você checar [sic]”.
“Um no meio da multidão”
Um dos vendedores contatados pela reportagem, identificado apenas como Azevedo, explica que o esquema é feito a partir da UBS onde trabalha. Com o cadastro do ConectSUS do comprador em mãos, o golpista acrescenta as doses compradas no sistema do usuário, como se ele tivesse sido imunizado naquela unidade de saúde.
Investigação internacional
Em janeiro deste ano, a Check Point Research (RCP, na sigla em inglês) alertou para um ressurgimento de testes falsificados e certificados de vacinação em meio a uma nova onda de infecções causadas pela variante Ômicron da Covid.
A RCP também descobriu forte aumento no valor anunciado pelos certificados.
Logo após o anúncio inicial dos certificados de vacinação, em 2021, os documentos eram normalmente vendidos entre US$ 75 e US$ 100. Neste último despertar do mercado paralelo, no começo deste ano, esses mesmos certificados passaram a custar de US$ 200 a US$ 600, representando aumento de até 600%.
“Os governos precisam se unir rapidamente para combater esse último aumento no mercado paralelo, ou correm o risco de ver documentos falsificados aumentarem em número nas próximas semanas e meses”, alertou Liad Mizrachi, especialista em segurança da Check Point Software.
Outro lado
O Ministério da Saúde e a Polícia Federal foram procurados na quarta-feira (9/3) para informar se monitoram a venda ilegal de certificados falsos de vacina.
O Ministério da Saúde informou que o registro de imunização contra a Covid-19 é realizado nos postos de vacinação de todo o país por operadores credenciados. “Em caso de irregularidades e denúncias, o gestor local pode realizar o bloqueio da credencial do agente responsável e notificar o Ministério da Saúde para que o acesso do usuário seja suspenso permanentemente. Até o momento, a pasta não foi notificada formalmente sobre casos de comercialização do certificado vacinal”, assinalou o órgão.
A PF não respondeu.
A rede social Telegram não possui assessoria no Brasil. O espaço segue aberto.
Fonte: Metrópoles.