São muitas as denúncias de Unidades Básicas de Saúde (UBS) abandonadas no interior do Ceará. Construídas nos últimos dois anos, com verbas federais, algumas delas nunca foram utilizadas. O único a entrar nesses prédios tem sido o mato. Dia a dia, os equipamentos estão se deteriorando, sem prestarem nenhum atendimento à população.
Conforme o portal do extinto Ministério do Planejamento, foram erguidas e ampliadas no Ceará 496 UBS, todas com data de conclusão em junho de 2018. Dos 184 municípios cearenses, 163 foram contemplados. Os valores para construção dos equipamentos variaram de R$ 100 mil a mais de R$ 600 mil por Unidade. Os recursos foram disponibilizados via Programa de Aceleração de Crescimento (PAC).
Essas unidades, se funcionando em sua totalidade, poderiam amenizar uma problemática antiga – e grave – de muitos municípios: a saúde pública. Além de contribuírem para agravar a alta demanda por unidades de saúde, os equipamentos fechados simbolizam dinheiro público mal-empregado.
Abandonadas
No Sertão Central, há UBS sem funcionamento em, pelo menos, quatro cidades – Quixeramobim, Quixadá, Ibaretama e Choró. Em Quixeramobim, até o terreno de uma Unidade construída no Planalto Sabonete, na periferia da cidade, foi invadido. “Estão construindo uma igreja”, denunciou um vizinho. “Dá pena a gente ver o dinheiro público sendo desperdiçado assim”, lamentou um morador. Ambos pediram para não serem identificados.
O secretário de Saúde do Município, Antônio Eugênio de Almeida, ressaltou, no entanto, que há “um esforço para nos próximos 60 dias o equipamento começar com os atendimentos”. Devido ao longo período com o prédio fechado, será necessária a realização de alguns reparos a serem custeados pelo próprio Município. Quanto à construção da Igreja no terreno ao lado, o secretário informou que o problema já foi solucionado.
“Haverá necessidade apenas de demolição dos fundos do prédio, realmente invadido, mas por desconhecimento dos construtores”, justificou.
Além desta, a cidade conta com outras 21 UBS, todas ampliadas e em funcionamento. No entanto, em alguns casos, o atendimento não ocorre diariamente. Em razão da necessidade de mais médicos, costumam abrir duas vezes por semana.
No município vizinho, Quixadá, três UBS, construídas nos bairros São João, Putiú, Carrascal, estão abandonadas e sem condição de recuperação devido ao avançado grau de deterioração. Procurado, o Município não se manifestou.
Já em Juazeiro do Norte, na região do Cariri, seis UBS, também projetadas com recursos do PAC, ainda não foram entregues. Em uma delas, a obra nem sequer começou. O entrave aconteceu em 2016, dois anos após o início das construções e reformas.
Na época, uma equipe da Controladoria-Geral da União (CGU) foi até a terra do Padre Cícero fiscalizar a aplicação dos recursos e detectou uma série de irregularidades nas licitações, na execução e nos recursos. Por exemplo, torneiras e pias que deveriam ser instaladas de alumínio, foram colocadas em material plástico.
Com isso, o Ministério Público Federal começou a cobrar agilidade na resolução do caso. Após a gestão atual assumir, a Prefeitura de Juazeiro do Norte entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) no primeiro semestre do ano passado contra as empresas responsáveis pelas obras. A medida foi para assegurar que o recurso do Governo Federal não fosse devolvido. “Tem unidade quase finalizada”, justifica a secretária executiva de Saúde de Juazeiro do Norte, Glauciane Torres.
A expectativa é que seja formalizado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o MPF, a Prefeitura de Juazeiro e a construtora. A empresa alega que não recebeu o recurso de forma ajustada, mas terá que apresentar, em relatório, os valores recebidos, o que falta receber e o avanço físico da obra. A perspectiva é que o acordo seja feito ainda neste mês de maio. “A dúvida é se ela [a empresa] continua ou faz uma nova licitação”, completou a secretária.
Afetados
As unidades que estão para ser entregues estão localizadas nos bairros Betolândia, Aeroporto, Socorro, Vila Três-Marias, Frei Damião e Santa Tereza, este último sequer teve os serviços iniciados. Juntos, os pontos atenderiam cerca de 29 mil pessoas. “A população pede, o Ministério pede, mas não tem como dar continuidade sem a gestão se resguardar também”, explica a advogada Lívia Callou, que acompanha o caso.
Enquanto isso, a população vizinha a estes equipamentos aguarda as inaugurações para dar maior facilidade ao atendimento médico e desafogar as unidades de saúde de Juazeiro. “Ia ser muito importante, sem sombra de dúvida. A gente aqui, quando tem alguma coisa, vai logo na UPA, mas ainda é muito tumultuado. Passa um dia inteiro para ser atendido pelo médico”, lamenta a dona de casa Rosilene Batista.
Ministério da Saúde
A reportagem buscou respostas junto ao Ministério da Saúde sobre a situação das Unidades Básicas construídas com recursos do PAC no Ceará. Questionou quantas unidades novas constam como concluídas; o valor total do repasse financeiro para execução dessas obras; quantas unidades foram ampliadas e o total do investimento; e ainda se o Ministério pretende realizar auditoria sobre a aplicação dos recursos. No entanto, até o fechamento desta edição, o Ministério não havia enviado nenhum posicionamento.