O presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou neste domingo sua renúncia ao cargo, depois de três semanas de protestos contra sua polêmica reeleição e depois de perder o apoio das Forças Armadas e da Polícia.
“Renuncio a meu cargo de presidente para que (Carlos) Mesa e (Luis Fernando) Camacho não continuem perseguindo dirigentes sociais”, disse Morales em discurso televisionado, referindo-se a líderes opositores que convocaram protestos ele, desde o dia seguinte às eleições de 20 de outubro.
Mais cedo, o comandante-chefe das Forças Armadas e da Polícia da Bolívia, o general Williams Kaliman, pediu a Evo que renunciasse, em meio a protestos por sua questionada reeleição na votação de 20 de outubro, nas qual a Organização de Estados Americanos (OEA) apontou irregularidades.
“Após analisar a situação conflituosa interna, pedimos ao presidente de Estado que renuncie a seu mandato presidencial permitindo a pacificação e a manutenção da estabilidade, pelo bem da nossa Bolívia”, disse o general Kaliman à imprensa.
“Nos somamos ao pedido do povo boliviano de sugerir ao senhor presidente Evo Morales que apresente sua renúncia para pacificar o povo da Bolívia”, declarou o comandante geral da Polícia, general Vladimir Yuri Calderón.
Evo Morales era o presidente latino-americano há mais tempo no poder. Há 13 anos mostrava sua astúcia política, empatia com os pobres e bom gerenciamento dos lucros da exportação de matérias-primas para China.
Em suas reuniões, continuava acompanhado de xamãs, que realizavam cerimônias andinas enquanto ele iniciava os trabalhos.
Morales, de 59 anos, assumiu em janeiro de 2006 como o primeiro mandatário indígena da Bolívia, em meio a uma onda de vitória da esquerda, que atravessou a região com a mudança de milênio.
Seus companheiros de ideologia foram ficando pelo caminho, no Brasil, Argentina e Equador. A Venezuela, com quem Evo manteve um vínculo estreito, está mergulhada na pior crise política e econômica de sua história recente.
Perfil
Morales conheceu a pobreza desde que nasceu, em 26 de outubro de 1959, no povoado de Isallavi, na região andina de Oruro. Criador de lhamas quando criança e depois vendedor de sorvete, fabricante de tijolos e trompetista de um grupo de música local, chegou a Chapare, coração cocaleiro da Bolívia, para se dedicar ao cultivo.
Se envolveu meio sindical, onde começou sua carreira política em 1995, como deputado nacional. Em 2002 lançou pela primeira vez sua candidatura à presidência, chegando em segundo lugar.
Quatro anos depois, em 2006, derrotou nas urnas o candidato da direita, Jorge Quiroga, com 54% dos votos, e chegou à presidência.
Em 2008, durante uma entrevista para a imprensa estrangeira, Morales disse que quando era criança, aos 11 ou 12 anos, sonhou que voava por sua terra natal.
Ao contar o sonho a seu pai, ele disse: “Evito, você vai ficar bem, respeite os maiores e menores, você vai bem em teu futuro”.
Morales não chegou à universidade e têm grandes problemas para ler um discurso em público. Prefere improvisar e repetir frases sobre o sucesso econômico de seu governo, a estabilidade política e os inimigos internos (a direita) ou externos (os Estados Unidos) que “o perseguem”.
Pairavam sobre ele, após quase 14 anos no poder, denúncias de corrupção no governo.
Cronologia da crise
20.out
Bolivianos vão às urnas para 1º turno das eleições presidenciais; resultados parciais indicam a realização de um 2º turno
21.out
Tribunal eleitoral aponta vitória de Evo após contagem ser interrompida e um novo método de apuração ser usado; opositor Carlos Mesa não reconhece a nova contagem e manifestantes saem às ruas
22.out
Governo pede auditoria externa da eleição à Organização dos Estados Americanos (OEA); grande protesto toma as principais ruas de La Paz
24.out
Saem os resultados oficiais, que confirmam vitória de Evo no 1º turno; Brasil, Argentina, União Europeia e EUA não reconhecem e pedem nova votação
30.out
Começa auditoria da OEA, com técnicos estrangeiros e resultado vinculante; acontecem as duas primeiras mortes de manifestantes em confrontos
3.nov
Tensão política aumenta quando um líder dos protestos, Luis Fernando Camacho, pede intervenção dos militares contra Evo, em tom de ultimato
5.nov
Camacho é barrado em aeroporto de La Paz ao tentar entregar a Evo uma carta pré-escrita de renúncia
8.nov
Alguns policiais se rebelam contra o governo e anunciam que não vão mais reprimir manifestantes
10.nov
Após semanas de protestos ininterruptos, OEA adianta entrega de auditoria e pede a anulação das eleições de outubro; Evo Morales cede, anuncia novo pleito e é instado pelas Forças Armadas a renunciar.
Fonte: Diário do Nordeste