4
2015
BRASIL – NOTA 10: No sertão cearense, visitamos uma escola com nível de aprendizagem superior à média da Suíça
Em Pedra Branca (CE), com pouco mais da metade dos 40 mil habitantes alfabetizados, uma escola se destaca como uma das melhores do país.
Texto Gabriela Portilho, Renata Massetti, Thaís Zimmer Martins, Tiago Jokura
“Se você chegar à nossa escola não vai ver nada de anormal. Salas e laboratórios são pequenos, a merenda é simples e não há grandes eventos. Mas a educação daqui marca a vida de quem passa”, diz Amaral Barbosa, diretor da Escola de Ensino Fundamental (EEF) Miguel Antônio de Lemos, em Pedra Branca (CE), a 260 km de Fortaleza.
A “escola de Amaral”, como é conhecida, não aparece no GPS. Fica em um sítio a 18 km da cidade, no meio do sertão. Porcos, jumentos e bois rodeiam a escola, e a agricultura local é de subsistência, com vários alunos ajudando os pais – na maioria, não alfabetizados – na lavoura.
Desmistificando a ideia de que o mau desempenho do ensino está ligado à baixa educação dos pais ou ao nível socioeconômico local, a escola tem um dos melhores desempenhos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do Brasil, com nota 8,9 para o 9º ano. A média nacional é 4,2. A média das escolas particulares brasileiras é 5,9.
A escola é uma família – Click e veja o vídeo – Nota 10).
Amaral atribui os resultados à estreita relação entre a escola e a comunidade. Ele próprio carrega a escola no DNA: é bisneto do seu Miguel, que nomeia a escola – outros 15 professores também são descendentes do seu Miguel. A eles juntou-se um time de voluntários da comunidade, que une esforços para tornar a escola mais agradável. Cada um ajuda como pode: o motorista do pau de arara (transporte escolar da maioria dos alunos) dá aulas de baixo, um dos pais ensina sanfona e o professor de história e geografia empresta a bateria para os alunos aprenderem.
Nos finais de semana, a quadra esportiva vira salão de festas para batizados e casamentos e recebe em troca pequenos serviços, como um reparo feito por algum pai que seja pedreiro, ou um desconto nas roupas de formatura dado por uma mãe costureira. Tudo isso ajuda a fechar as contas da escola, que se mantém com apenas R$ 4 mil anuais de orçamento para compra de materiais didáticos e de limpeza.
Para a coordenadora pedagógica Bruna Barbosa de Lima, além do apoio material, a proximidade com a comunidade envolve os alunos e os faz respeitar os mestres. “A escola é tratada como algo muito importante. E isso se reflete no índice zero de evasão. Todos entendem a importância de estar aqui”.
Os pais são tão participativos que decidem com coordenadores e professores o currículo pedagógico a cada ano. “Vários não sabem escrever o nome, mas sabem o que é IDEB, compreendem a importância das avaliações e das etapas de ensino”, explica Amaral.
Maria Neci Lira Lemos, mãe de 6 filhos, é agricultora e cursou até a 4a série. Hoje trabalha com a produção de mamona para biodiesel, e mesmo morando longe da escola, faz questão de acompanhar o desenvolvimento dos filhos. “Como é que posso mostrar para meus filhos a importância da escola se eu também não estiver presente dentro dela?”, questiona.
Para os alunos que não tem a sorte de contar com a participação dos pais, a escola promove o programa Adote um Aluno, em que cada professor anonimamente se responsabiliza por acompanhar o desenvolvimento de uma criança cuja família não seja presente. “A escola não pode passar a vida reclamando a falta da família dos alunos, mas pode criar mecanismos para minimizar as consequências dessa falta. O importante é que o aluno sinta-se acompanhado e fazemos isso inclusive nas nossas horas vagas”, explica o diretor Amaral.
Outro projeto que sempre está no currículo escolar é o de leitura. Anualmente, ele se renova, mas o objetivo permanece o mesmo: formar alunos críticos.
Entenda:
Pelo desempenho, a escola recebeu por sete vezes o prêmio estadual Escola Nota 10, que gratifica com R$ 2 mil por aluno os melhores colégios do Ceará. No entanto, só recebe em mãos 75% do valor. O restante só vem quando a escola ajuda uma outra da região a melhorar seus índices. “Todos têm que crescer juntos, em rede. Se eu ajudo uma escola que alfabetiza, melhoro também a qualidade do aluno que chega à minha, e assim toda a educação se eleva”, sustenta Amaral.
* Matéria originalmente publicada pela Superinteressante. A SUPER viajou a convite da Fundação Lemann, realizadora da pesquisa Excelência com Equidade com apoio do Itaú BBA e do Instituto Credit Suisse Hedging-Griffo
Fonte: Revista Educar para Crescer.