O relacionamento entre juízes, promotores, advogados e delegados dominou os debates na audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
O ex-magistrado rebateu, nesta quarta-feira, a acusação de que agiu de forma parcial na Operação Lava Jato com números. Segundo ele, foram 90 denúncias, 45 sentenças e 44 recursos interpostos pelo Ministério Público. De 291 acusados, 211 foram condenados e 63 absolvidos, o que mostraria a falta de convergência de ações.
“Qual o conluio? Qual a convergência? O que havia no fundo era muita divergência. Também existe parcial convergência: não quer dizer que, se absolvo alguém, tenho conluio com advogado. E também não quer dizer que, se condeno alguém, tenho acordo com o Ministério Público. A Lava Jato não era de atuação exclusiva minha. Aliás, nunca um juiz teve tanto recurso contrário às suas decisões como eu, porque os casos eram difíceis e envolviam pessoas poderosas. Quem foi condenado foi condenado nas provas que cometeu corrupção. E grande corrupção”, explicou.
Ainda segundo o ministro, são normais na Justiça brasileira as conversas entre integrantes do processo, e o aplicativo Telegram usado era para agilizar a troca de informações.
“Eu recebi advogados em minha sala. Conversávamos informalmente. Não é adiantamento de decisão, não é conselho, mas uma interlocução normal em qualquer fórum de Justiça”, disse Moro, acrescenando que não houve “nenhum aconselhamento, apenas uma interlocução”.
Defesa
O líder do Governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), defendeu o ex-magistrado e disse que Moro foi vítima de crimes cujos autores precisam ser identificados. Ainda segundo Coelho, quem conhece o sistema jurídico brasileiro sabe que conversas no curso do processo acontecem, são os “famosos despachos auriculares”, citou.
Os senadores Marcos do Val (Cidadania-ES) e Soraya Thronicke (PSL-MT) também saíram em defesa do ministro. Para ele, o vazamento das conversas – as quais não se pode atestar a veracidade – deixa claro a tentativa de se barrar a luta contra a corrupção.
Esposa
Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE) quis saber se Moro manteve contatos regulares com desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF-4). Também quis saber se a esposa do ex-juiz advoga ou já advogou para empresas estrangeiras do setor petrolífero, se o juiz havia pago R$ 170 mil para um curso de treinamento em lidar com a mídia para ir ao Senado prestar esclarecimentos e sobre a dosimetria das penas impostas.
“Essas perguntas são para saber que relação o senhor tinha com outros membros da operação, já que o senhor o tempo todo disse como o Ministério Público deveria agir. O senhor não guardou distância”, alegou.
O ministro disse que a mulher dele nunca trabalhou para petrolíferas e sequer atua nas áreas cível e penal e negou ter feito curso de mídia. Ainda segundo ele, no curso da Lava Jato, houve fake news dizendo que ela atuaria para a Shell e que ele estava a serviço do serviço de inteligência dos EUA. “Esse fato não existiu. O senhor está fantasiando. Desde que ocorreram os fatos, procuramos parlamentares para esclarecer”, afirmou Moro.
CPI
A audiência com o ministro terminou depois de oito horas e meia. Ao longo do dia, pelo menos 40 senadores usaram a palavra para perguntar e fazer comentários.
O senado cearense Cid Gomes (PDT) pediu a instalação de uma CPI para propor medidas para dar mais segurança ao sigilo das comunicações e investigar um possível acordo entre o juiz e o MPF.
“Proponho que instalemos uma CPI, e já tenho requerimento pronto para isso, que de forma isenta e imparcial faça o aprofundamento nas duas grandes questões que são objeto dessa celeuma que já se apelidou de Vaza Jato: averiguar, investigar e propor medidas para dar mais segurança e garantia ao sigilo das nossas comunicações, e ao mesmo tempo, investigar se houve conluio entre um integrante da magistratura e o Ministério Público, o que certamente compromete o processo e compromete o funcionamento do Estado Democrática de Direito”, defendeu Cid.
Conspiração
Já Tasso Jereissati (PSDB) disse que não se pode embarcar em teorias da conspiração, mas que é preciso ajudar a esclarecer a população brasileira sobre o que representam essas mensagens reveladas.
“Não nos devemos levar por uma narrativa fantasiosa de que houve uma grande conspiração de um lado, em que o senhor era uma peça de uma grande conspiração política a favor de um projeto que queria fazer isso ou aquilo, contra agora outra grande conspiração, até internacional, que visa derrubar isso e derrubar aquilo”, disse o parlamentar tucano.
O senador Eduardo Girão (Podemos) exaltou o papel da Lava Jato como um “pilar” no combate à corrupção e afirmou que o vazamento das mensagens envolvendo o ministro não deve desestabilizar o Governo. “A Lava Jato está fazendo uma grande limpeza no País, um combate à corrupção jamais visto. Então, eu acredito que a operação continua forte”, afirmou.
Girão disse ainda que o conteúdo das mensagens precisa ser analisado para esclarecer se algum “equívoco” foi cometido pelo ex-juiz e membros do Ministério Público, mas garantiu que vê as conversas de “forma republicana”. “Eu vejo que são pessoas que querem ajudar a Nação, trocando informações de interesse do País”, apontou Girão.
Apoio de Bolsonaro
Bolsonaro afirmou que “até agora”, não viu nada de “anormal” nas conversas atribuídas a Moro e a integrantes da força-tarefa da Lava Jato divulgadas pelo site The Intercept Brasil. “Não posso casar pensando em separar um dia. Não vi nada de anormal até agora. Querem tentar me atingir atacando quem está do meu lado. O Sergio Moro é patrimônio, podem procurar outro alvo porque esse já era. Ele fica”.
‘Patrimônio nacional’
Moro chegou a afirmar, nesta quarta-feira, que não tem apego ao cargo e que, em caso de irregularidade, deixaria o ministério. “Eu também não tenho apego ao meu cargo. O Ministro é livre para tomar as decisões que bem entender. O Sergio Moro é patrimônio nacional e, se depender de mim, não sai”, garantiu Bolsonaro, em Guaratinguetá, horas depois da audiência do ministro da Justiça em comissão no Senado.
Fonte: Diário do Nordeste.